Espaços de cultura : permeabilidade

Uma intrigante questão sobre espaços de cultura é sobre como se apresentam para a cidade.  Se o intuito é para que sejam ocupados, as pessoas na rua precisam perceber que podem ocupar. É o tipo de informação sensível que pode ser oferecida pela comunicação ou pela própria arquitetura do espaço.

Os arquitetos do CCSP eram pessoas geniais. Projetaram o espaço como uma rua. Costumo dizer que é um CityLab: as coisas que acontecem por lá poderiam ser projetas para acontecerem na cidade.

Além do formato de uma grande avenida, o CCSP possui várias entradas. Para quem conhece, pode-se “cortar” caminhos através do prédio para outras partes da rua. Uma questão que nos inquietou na comunicação era se as pessoas que não conhecem o prédio poderiam perceber que poderiam perceber na saída do metrô que era possível alcançar a própria Rua Vergueiro pelo prédio. As pessoas teriam que ter a informação de que havia outras entradas/saídas além do que viam de primeira.

Uma vez dentro, as pessoas poderiam ter um contato mais próximo com a instituição e suas ações.

Numa discussão aberta ao público, alguns arquitetos como a Raquel Rolnik chamou essa característica de permeabilidade. Ou seja, o quanto a instituição está aberta para o trânsito de pessoas.

Fui a dois outros centros culturais da prefeitura, num momento que foi dado ao CCSP uma função de compartilhar seus conhecimentos para ajudar outras instituições.

Centro Cultural da Penha

O Centro Cultural da Penha tinha uma questão de que o prédio havia sido projeto para escritórios, então suas entradas eram bem burocráticas. Neste caso se discutiu a possibilidade de falar com a rua através da comunicação: um grande banner apresentaria visual os espaços internos e a programação.

O CCP também tem uma praça linda em sua frente: o Largo do Rosário já bastante frequentado e importante espaço de manifestações populares. Na época se cogitou alguma forma de oferecer Wifi com sinal emitido do prédio do CCP. Não havia ainda o projeto de WifiLivre da prefeitura.

 

O outro foi o Centro Cultural Vila Formosa. Neste caso, o Centro Cultural nasceu de duas instituições que estavam no mesmo prédio: a Biblioteca e o Teatro. Neste caso, a questão foi mais na entrada cuja porta era encoberta por muro e plantas e uma porta de entrada não tão evidente.

Então, se você vai abrir seu próprio espaço cultural e quer que seja ocupado, pense em como as pessoas reconhecem o espaço em relação a rua/cidade, que tipo de trânsito o espaço interno permite e como as pessoas percebem de fora o que acontece dentro.

 

A Folhetaria do Centro Cultural São Paulo

Muito provavelmente mais da metade dos relatos que farei por aqui diz respeito ao Centro Cultural São Paulo, espaço que trabalhei durante quase 13 anos. Um projeto muito especial em que me envolvi se chama “Folhetaria” e está na ativa até hoje.

A cabeça do projeto é atual diretora da educativo da instituição, Adriane Bertini. Um dia, ela me chegou dizendo que havia máquinas de impressão antigas aposentadas pela Gráfica Municipal. A ideia, na época em que vieram, era criar uma área de oficinas focadas em artes gráficas.

Com o avanço do digital, estava claro que estudantes, principalmente de design, poderiam não experimentar o que era criar impressões de forma analógica. Eu mesmo que vivi as duas épocas (analógico/digital) percebo que é o tipo de conhecimento que ajuda a compreender mais profundamente as mídias digitais. Um exemplo simples: muitos dos filtros do famigerado Photoshop vieram de técnicas da fotografia analógica.

Mas a Adriane me advertiu sobre um outro fato: os artistas, aprendendo as técnicas, poderiam subvertê-las e criar pequenas obras. Como a ideia não era produzir em série, podia-se passar o tempo experimentando técnicas e linguagens.

Essa ideia de reaproveitamento e releitura em um ambiente de recursos escassos é bastante potente.

 

O Porão do CCSP

Na gestão do Pena Schmidt e com a Adalgisa Campos então diretora do Educativo, havia um proposta muito interessante.

Toda área do Porão seria um grande espaço/laboratório do Educativo. Já estava instalado o FabLab Livre e a Folhetaria se integraria a Gráfica do CCSP. Havia uma vontade grande também da Marcenaria e outras áreas ditas de manutenção pertencerem a esse grande polo.

A Gráfica do CCSP sempre foi povoada por profissionais capacitados, mas a infraestrutura foi envelhecendo. Havia limitações a variedade de serviços se comparado a gráficas particulares além da burocracia em se manter compras e contratos de manutenção. Então a ideia era que ela fosse parte do Educativo deixando de produzir impressos em massa e passando a ser um espaço de compartilhamento de conhecimento. Gente boa é que não faltava ali.

Então imagine um espaço com todos os equipamentos e pessoas para compartilhar seus saberes. Era essa a ideia do Porão.

Um dos pontos que me surpreendeu nesse projeto foi o foco em deixar que a pessoa que frequentasse o espaço pudesse aprender sozinha, da maneira que achasse melhor, dentro das limitações e objetivos que tinha. É como se procurasse na Internet um tutorial para determinada questão. Claro que os mediadores estavam lá preparados para atender qualquer que fosse a dúvida, mas esse conceito de que as pessoas podem moldar suas próprias trajetórias de aprendizado e que o espaço só precisa disponibilizar recursos foi acima das minhas expectativas.

A gente pensa em oferecer oficinas pensando segundo o que achamos melhor ou que compreendemos demandas do público, mas permitir que as pessoas descobrissem por si próprias através de acesso a recursos criou alguns momentos que me fizeram pensar e refletir que a participação do público é também uma forma de autogestão.

Os frequentadores começaram a cuidar do lugar, tornaram-se mediadores não oficiais e o ponto alto foi quando propuseram entre si cursos sem qualquer interferência da instituição. Um frequentador percebeu uma certa demanda de outros frequentadores e ofereceu para compartilhar seu conhecimento. O espaço promovendo alteridade.

 

Para quem quiser conhecer a Folhetaria:
http://centrocultural.sp.gov.br/site/eventos/evento/folhetaria-atelie-publico/