Público: crianças

Markito Alonso no CCSP

Aproveitando a proximidade do dia 12 de outubro, quero falar um pouco sobre a criança como público de cultura.

Quando fui ao Primavera Sound em Barcelona, fiquei impressionado com o número de famílias circulando pelo espaço. Soava algo bastante comum porque as crianças pareciam acostumadas (algumas usavam proteção auricular, por exemplo, e não se incomodavam).

Ao me tornar diretor de comunicação do Centro Cultural São Paulo, fui num sábado ao espaço para prestar atenção no público. Sábado era o dia do teatro infantil, às 16h, Sala Paulo Emílio Salles Gomes.

Conversei com algumas mães sobre trazer crianças a um espaço de cultura. E tive alguns insights.

A primeira é que embora seja a criança o público alvo, são os pais ou algum adulto quem promovem toda logística e que financiam a atividade cultural. Logo, a comunicação pode até conversar diretamente com a criança, mas deve compreender que o poder de decisão é de um adulto.

Discutindo com alguns amigos, veio a ideia de não se cobrar ingresso do adulto que acompanha, mas apenas das crianças que será paga pelo adulto, obviamente. A ideia é que o adulto se sinta menos onerado por assistir algo que  não é dirigido a ele.

Uma outra questão é que as crianças junto com os adultos não costumam sair de casa para um evento cultural específico como ir a um espetáculo teatral. Normalmente se organizam para passar o dia fora. Logo, é importante os espaços e instituições prestarem atenção em oferecer roteiros de longa duração em suas programações. De manhã, uma contação de histórias, almoço, um espaço para brincar e finalmente o espetáculo teatral. É sempre mais difícil se locomover pela cidade com crianças. Se puderem ter muitas opções no mesmo espaço, melhor.

A alimentação é um fator que os espaços culturais não focam, mas que pode ajudar os adultos a se decidirem.  Lugares que tem almoço com cardápios para crianças são mais convidativos. Além de ricamente nutritivos, a comida pode vir em porções menores e consequentemente com valor também menor em comparação a de um adulto. É preciso ter um mobiliário adequado também.

Por falar em mobiliário, é importante que os espaços possam contemplar as crianças. Ter um fraldário é essencial e se puderem ficar independente dos banheiros, melhor.

Outro fator importante é a segurança. Neste dia que fui ao CCSP, prestei atenção em como as crianças ocupavam o espaço. Se havia risco de quedas, canto pontudos em móveis, chãos escorregadios, iluminação. Criança vê um espaço grande e plano a sua frente e já quer atravessar. Os bancos (vou fazer um post só para falar deles) devem acomodá-las com segurança.

E para terminar, quero deixar uma reflexão.

Li outro dia numa pesquisa de público (vou falar muito sobre pesquisa) que a grande maioria dos brasileiros irá pisar em um espaço cultural uma vez apenas na vida. Se você gere, ou pretende gerir, um espaço cultural é grande a possibilidade de tenha entre seu público diário essa pessoa que terá essa única oportunidade. Então, é uma missão que ela tenha a melhor experiência possível. Sei que há muitas dificuldades em se manter espaços culturais, mas se não puder dar a melhor experiência que pelo menos seja convidativo para ter uma segunda.

Imagina então na mente de um criança cujo universo cultural ainda está borbulhando em formação.

A Folhetaria do Centro Cultural São Paulo

Muito provavelmente mais da metade dos relatos que farei por aqui diz respeito ao Centro Cultural São Paulo, espaço que trabalhei durante quase 13 anos. Um projeto muito especial em que me envolvi se chama “Folhetaria” e está na ativa até hoje.

A cabeça do projeto é atual diretora da educativo da instituição, Adriane Bertini. Um dia, ela me chegou dizendo que havia máquinas de impressão antigas aposentadas pela Gráfica Municipal. A ideia, na época em que vieram, era criar uma área de oficinas focadas em artes gráficas.

Com o avanço do digital, estava claro que estudantes, principalmente de design, poderiam não experimentar o que era criar impressões de forma analógica. Eu mesmo que vivi as duas épocas (analógico/digital) percebo que é o tipo de conhecimento que ajuda a compreender mais profundamente as mídias digitais. Um exemplo simples: muitos dos filtros do famigerado Photoshop vieram de técnicas da fotografia analógica.

Mas a Adriane me advertiu sobre um outro fato: os artistas, aprendendo as técnicas, poderiam subvertê-las e criar pequenas obras. Como a ideia não era produzir em série, podia-se passar o tempo experimentando técnicas e linguagens.

Essa ideia de reaproveitamento e releitura em um ambiente de recursos escassos é bastante potente.

 

O Porão do CCSP

Na gestão do Pena Schmidt e com a Adalgisa Campos então diretora do Educativo, havia um proposta muito interessante.

Toda área do Porão seria um grande espaço/laboratório do Educativo. Já estava instalado o FabLab Livre e a Folhetaria se integraria a Gráfica do CCSP. Havia uma vontade grande também da Marcenaria e outras áreas ditas de manutenção pertencerem a esse grande polo.

A Gráfica do CCSP sempre foi povoada por profissionais capacitados, mas a infraestrutura foi envelhecendo. Havia limitações a variedade de serviços se comparado a gráficas particulares além da burocracia em se manter compras e contratos de manutenção. Então a ideia era que ela fosse parte do Educativo deixando de produzir impressos em massa e passando a ser um espaço de compartilhamento de conhecimento. Gente boa é que não faltava ali.

Então imagine um espaço com todos os equipamentos e pessoas para compartilhar seus saberes. Era essa a ideia do Porão.

Um dos pontos que me surpreendeu nesse projeto foi o foco em deixar que a pessoa que frequentasse o espaço pudesse aprender sozinha, da maneira que achasse melhor, dentro das limitações e objetivos que tinha. É como se procurasse na Internet um tutorial para determinada questão. Claro que os mediadores estavam lá preparados para atender qualquer que fosse a dúvida, mas esse conceito de que as pessoas podem moldar suas próprias trajetórias de aprendizado e que o espaço só precisa disponibilizar recursos foi acima das minhas expectativas.

A gente pensa em oferecer oficinas pensando segundo o que achamos melhor ou que compreendemos demandas do público, mas permitir que as pessoas descobrissem por si próprias através de acesso a recursos criou alguns momentos que me fizeram pensar e refletir que a participação do público é também uma forma de autogestão.

Os frequentadores começaram a cuidar do lugar, tornaram-se mediadores não oficiais e o ponto alto foi quando propuseram entre si cursos sem qualquer interferência da instituição. Um frequentador percebeu uma certa demanda de outros frequentadores e ofereceu para compartilhar seu conhecimento. O espaço promovendo alteridade.

 

Para quem quiser conhecer a Folhetaria:
http://centrocultural.sp.gov.br/site/eventos/evento/folhetaria-atelie-publico/